Num primeiro relance os artistas espanhóis parecem ter na personalidade excêntrica a melhor parte de sua obra. Picasso, Miró, Almodóvar dão essa impressão. É preciso seguir a obra e a vida pra saber qua a excentricidade integra, preenche e expande a obra.
Um dos primeiros trabalhos de Miró (The Farm 1921-1) é considerado por ele mesmo o seu trabalho-chave, a base do simbolismo que viria mais tarde.
Gostei especialmente desse quadro, que revela um artista detalhista, afiado, simétrico, enfim, figurativo. Quem não é iniciado em artes plásticas não se entende nada bem com o abstrato.
Andando pelas salas do Tate - a exposição de Miró ocupou 13 salas - primeiro comecei da última e vim até à primeira pra depois começar do começo.
Na primeira sala, além do quadro acima havia o Portrait of Vicens Nubiola, feito em 1917.
The Farm foi feito em 1921-2, como já dito acima. Esse Portrait of Vicens, anterior a The Farm, não parece ter claras influências de nosso admiradíssimo Van Gogh?
The Tilled Field parece ter sido the breaking point entre as influências da época e a decisão pelo próprio caminho.
Feito entre 1922 e 1923 The Tilled Field parece ser uma releitura de The Farm, com um traço mais despojado.
Logo em 1924 André Breton publicou o Manifesto do Surrealismo e Miró encontrou sua praia. No ano anterior a Espanha começou a viver um período ditatorial sob Miguel Primo de Rivera, que suprimiu a autonomia da Catalunha, limitando o uso da linguaguem catalã.
Miró começou a trabalhar numa série que celebrava a identidade catalã. Sua pintura se modificou bastante, aquilo que era imagem ele passa a expressar através de sinais. Uma mudança radical, como se vê em The Head of a Catalan Peasant (1925).
Aqui o esboço do arquétipo de um camponês catalão é feito com uma cabeça triangular, traços da barba e o tradicional boné vermelho. Esses elementos tem um fundo azul vívido (do céu e da imaginação). Miró chegou a dizer que fez esse quadro em um momento de alucinação, mas o fato é que ele havia feito um minucioso rascunho anos antes de pintar o quadro.
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Nem preciso dizer que sou uma leiga abusada, que gosto de arte e, principalmente, gosto dos artistas. Miró nem é meu pintor preferido mas terei com prazer algumas gravuras dele, dessas que a gente compra no próprio museu.
O que me dispõe a escrever sobre Miró é justamente saber que ele participou ativamente de uma época, de uma época bem dura, e que foi ficando cada vez mais com a mão leve - no sentido de não carregar tanto nas tintas. Muito embora tenha utilizado muto preto e vermelho nos últimos trabalhos.
Tive a curiosidade de ver (na exposição) o quanto de verde havia na obra de Miró. Num apanhado superficial, encontrei verde nas obras feitas de maio de 68 a dezembro de 73.
As últimas obras de Miró são, salvo engano, um tríptico chamado The Hope Of a Condemned Man, I, II, III (fevereiro de l974).
Essas telas ocupam todo o espaço de 3 paredes (não sei a dimensão exatamente). Foram intituladas assim em protesto contra a execução de um jovem anarquista em 1974. De todo modo, há rascunhos desse trabalho feitos em 1960. Aquilo que parece ser uma arte espontânea foi longamente ensaiada.
Esse é o ponto. Quando o artista pode fazer só um "rabisco", escrever só uma palavra, cantar só uma nota e fazer parecer que é tudo muito fácil. Não é fácil: ele está resumindo uma vida inteira de ensaios.
Pra minha felicidade pessoal, Miró alcançou a transição do franquismo para a democracia na Espanha e viveu até os 90 anos. Nada mal para quem passou pela Guerra Civil Espanhola e por 2 Guerras Mundiais.