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domingo, agosto 22, 2004

nina karenina marina

minha labradora preta de 83 dias tem sido uma fonte de aprendizado pra mim, no que diz respeito à capacidade canina de cativar bípedes órfãos de gatos principescos.
não existe isso de ocupar o lugar, mas existe isso de criar um novo espaço ocupável, com efeitos na afetividade ainda mais surpreendentes.
quando a gente pensa que já amou tudo e com toda a intensidade, aparece uma nova situação que prova o contrário: na verdade amamos muito pouco e flacidamente.
o amor entre o "racional" e o "irracional" é o que há de mais incondicional em ambas as mãos (e patas).
há retorno? há. mas tão sem nexo com o investimento que, amigos, não importa se cães ou gatos, nós nos tornamos melhores pessoas quando nos dedicamos a qualquer um deles.
é uma relação bem mais relaxada que a que existe entre pais e filhos, porque neste caso, o nível de responsabilidade é astronômico.
o que minha cadela será quando crescer? uma labradora de bons modos (eu espero), saudável (toc toc toc na madeira, xô displasia!), longeva e muito muito feliz em seu habitat e vidinha "de cão".
nossos filhos têm que ser alguém quando crescerem, alguém que perpetue nossas virtudes e aperfeiçoe nossos defeitos - pois os filhos estão sempre referidos aos pais - e terão ainda de ser, nesse meio tempo, saudáveis, realizados e felizes.
uma grande incógnita em nosso dormir e acordar rotineiros.



sexta-feira, agosto 13, 2004

página 43, 3º parágrafo

você pisa no perímetro das lajotas eu respeito e piso ao lado.
piso com média firmeza, pois estou claudicante entre duas vontades: voltear feito um dervixe ou rastejar como um bugre farejando tatu.
penso em ter você com fúria, muita fúria, tanta fúria e ferocidade que precisarei de correntes, mordaças e vacinas.
mas não. espera um pouco. não é nada disso que preciso te dizer.
(começo a rodopiar como um besouro, meu pensamento é uma tormenta que não cabe em minha cabeça).
se ao menos eu pudesse olhar nos teus olhos e ter coragem.
deixei o livro aberto e semi-caído, tentando me lembrar dos olhos de Leporace. tentei me lembrar se ao menos ele já me olhara alguma vez.
não consegui. Leporace tinha olhos de microscópio.
desisti de continuar lendo, aquilo estava me fazendo mal e eu francamente não estava nada interessada naquele assédio muito, mas muito entre haspas.
Vicenzo? ali parado, perscrutando o céu com o nariz pra cima, como se ele fosse uma fragata e estivesse pra desabar um temporal.

sábado, agosto 07, 2004

ridículo

"ridículo", eu pensei.
tornei a olhar a frase sem acreditar que Leporace, o brilhante Leporace, tivesse escrito aquilo.
continuei folheando o livrinho, com Vicenzo a meu lado tentando ignorar o que se passava.
voltei à contracapa, procurando as informações técnicas da ficha catalográfica, mas estava em branco, como uma típica produção caseira.
Vicenzo percebeu minha curiosidade e disse:
- só tem esse exemplar.

quarta-feira, agosto 04, 2004

aspas

"Seus seios em minhas mãos mantém o ar preso em meu fôlego;
prefiro morrer nesse instante a vê-lo passar.
Não quero a mínima memória de você.
Um deus congelaria esse momento.
Eu congelo de pavor, pois sei que já não é mais."

terça-feira, agosto 03, 2004

entrelinhas

não fosse pelo ritmo do título o livrinho seria inteiramente maçante. SUMULA SIMILIA SELECTA trazia aforismas curtos sobre as leis de cura em particular e a teoria homeopática em geral. nada original, pois Hahnemann já fizera isso em seu ORGANON DA MEDICINA.
o Leporace pessoa jurídica que eu conheci teria abominado o livrinho. desapontada e já indo pelo meio do livro, dei de cara com 5 linhas em itálico totalmente fora de contexto, que diziam:

segunda-feira, agosto 02, 2004

eu na foto

- O livro dele está à venda?
- Não que eu saiba.
- Gostaria de dar uma espiada nele pra ver se descubro a razão de minha foto estar na contracapa.
- Você ainda não descobriu?
- Ainda não!
- Giuseppe é louco por você.
- Como é que é?
- Ele me disse uma vez que se pudesse ficaria com você, que você foi a única mulher que ele amou...
- Que loucura! por que ele nunca me disse nada?
- Ele tem as formas peculiares dele de dizer as coisas.
- Mas se esse livro não está nas livrarias...
- Ele sempre contou com a sorte ("hazzard", ele gostava de dizer).
(não há nada mais fascinantes do que ser amado por alguém).
- Você pode me emprestar o livro?

domingo, agosto 01, 2004

Leporace doente

- Leporace infartou em 1998 e descobriu que estava com diabetes... um duplo choque pra quem prezava tanto a saúde, especialmente a própria...
- Você também notou isso nele? Uma certa vaidade por ser tão "inteiro", como diziam as mulheres...?
- Ele não escondia isso... você chegou a visitá-lo...?
- Tentei, mas ele me driblou dizendo que estava saindo para uma viagem rápida, aqui pro Estado do Rio mesmo... mas não tocou na doença, aliás, diplomaticamente evitou que eu fizesse qualquer observação mais pessoal.
- No Rio ele ficava no Leme, não é isso?
- Copacabana, é o que ele dizia.
- Nunca estive com ele, no Brasil, mais do que o tempo de retirarmos nossa bagagem no aeroporto e dividirmos um taxi até o Flamengo, de onde ele seguia.
- Não entendo como uma pessoa tão carismática pudesse ser tão reservada. Nunca soube que tivesse amigos, somente colegas pesquisadores,
- Que o consideram amigo - eu interrompi.